Havana, Cuba – Sonho ou Pesadelo? (parte IV)

Canhões de Defesa – Fotos Marco André Briones

Esta é a quarta e última parte de uma excepcional matéria sobre a polêmica ilha de Cuba e sua capital . Acompanhe a matéria completa lendo a primeira, segunda parte e terceira parte.

No sétimo dia, como o calor havia sido muito intenso no dia anterior, decidi descansar no período da manhã e me recuperar um pouco do ritmo pesado dos meus passeios feitos até então.

A primeira parada rápida do dia foi para dar uma olhada no antigo Hotel Capri, atualmente abandonado e em péssimo estado. O motivo de minha passagem por ali foi para ver um local que no passado foi dominado pela máfia e que, ainda por cima, aparece em uma das cenas do filme “O Poderoso Chefão”, na qual é retratada uma reunião entre os maiores líderes da máfia da época. Realmente bastante interessante imaginar que tal reunião realmente tenha acontecido ali, naquele local totalmente sem qualquer sinal de vida hoje em dia.

Depois dessa parada fui almoçar no Edifício Focsa, que é um ícone da cidade por ser muito tradicional e ter um restaurante panorâmico no topo, com uma linda vista de 360 graus de toda a cidade de Havana. O restaurante se chama “La Torre”. O almoço foi bastante simples, no qual comi uma carne com batatas e cenouras. O que mais me chamou a atenção foi que, ao chegar no restaurante, todas as mesas já estavam postas com uma entrada nos pratos. O detalhe é que era uma entrada de frutos do mar. Sabe-se lá há quanto tempo aqueles pratos já estavam postos ali, sem qualquer tipo de refrigeração. Alguém que resolva comer tal entrada, que estava tomando sol há horas ali, é um sério candidato a participar de uma verdadeira roleta russa gastronômica.

A parada seguinte foi o Hotel Cohiba, no qual eu comprei uma linda Guayabera, um tipo de camisa social típica de Cuba, que é usada em ocasiões especiais. São peças muito bem trabalhadas, especialmente se adquirirmos uma Guayabera de uma marca superior. Foi o único presente que comprei para mim durante toda a minha estadia na ilha.

Há alguns outros pontos que eu gostaria de mencionar, relativos às observações que fiz durante minhas férias em Cuba. Primeiramente quero deixar registrado aqui o alto índice de prostituição existente no país. Todos os dias, sem exceção, fui abordado incontáveis vezes por prostitutas me oferecendo seus serviços. Havia mulheres de todas as idades e tipos. O que me entristeceu ainda mais foi o fato de tomar conhecimento que, para a maioria delas, a prostituição não é apenas uma forma de subsistência, mas também de adquirirem bens como um sabonete, um tubo de pasta de dente, um perfume barato. Realmente uma realidade deprimente. Notei também que, quase sempre, as prostitutas andam acompanhadas por garotos de programa. Caso a abordagem delas aos turistas masculinos estrangeiros não dê certo, logo em seguida somos abordados por um garoto de programa, pois eles imaginam que se o turista não se interessa por uma mulher, provavelmente é porque ele é homossexual, e prefere os serviços de um garoto de programa. Que tristeza presenciar isso diariamente.

Um outro fator marcante foi que, em todas as farmácias que visitei, praticamente não encontrei nenhum medicamento à venda. Na realidade, não havia praticamente nada sendo vendido. Em todas as farmácias, sempre velhíssimas e em péssimo estado de conservação, havia prateleiras e prateleiras vazias, sem nenhum produto exposto. Eventualmente havia um ou dois frascos de medicamento exposto. Nada mais. Nada de sabonetes, pastas de dente, absorventes femininos, fios dentais, lâminas descartáveis, absolutamente nada. Os funcionários ficam sentados o dia inteiro dentro da farmácia, ouvindo música, sem fazerem absolutamente nada.

Em seguida, fiz uma visita bastante inusitada: fui conhecer a Praça Lennon. Sim, em homenagem ao lendário Beatle John Lennon. Fiquei intrigado por não conseguir entender qual a ligação de Lennon com Cuba, já que Fidel Castro e o governo cubano consideram o rock como um produto nocivo do capitalismo, uma forma de dominação cultural criada pelos EUA. Acabei descobrindo que, na visão deles, Lennon era um rebelde revolucionário, que lutava contra os EUA e, desta forma então, seria um aliado de Cuba. Um verdadeiro absurdo, pois John Lennon nunca declarou ser a favor de Fidel Castro, ou de Cuba. Além disso, quando se separou dos Beatles, morou nos EUA em Nova York até a sua morte prematura em 1980. Realmente isso denota o quão equivocada é a leitura do governo cubano quanto ao posicionamento e ideais defendidos pelas pessoas. Não pude deixar de fazer uma foto sentado no banco, ao lado da estátua de John Lennon, especialmente por ser um grande fã dele desde criança. Um pequeno detalhe: há um funcionário público, um senhor muito idoso, provavelmente com mais de 80 anos, cujo único trabalho é tomar conta dos óculos da estátua. Quando não há ninguém na praça, ele guarda os óculos da estátua no bolso. Ao chegar algum turista, ele coloca os óculos na estátua para que possam ser feitas fotos. Feitos os registros fotográficos, ele deixa John Lennon míope novamente e guarda os óculos no bolso. Segundo ele, isso é para evitar roubos, pois a área está cheia de ladrões que querem pegar tal peça para vender e ganhar alguns dólares.

Outro ícone de Cuba é o Cocotáxi. Uma estrutura de fibra de vidro, no formato de um coco, montado em cima de uma motocicleta. Serve de táxi para dois passageiros, sempre turistas, que se deparam com tal meio de transporte inusitado. Eu pessoalmente não andei de Cocotáxi, pois soube que há incontáveis registros de acidentes. Desta forma, preferi apenas vê-los de perto e fazer meus registros fotográficos.

Fiz uma rápida passagem pela Casa das Américas, onde se situa um organismo de cooperação entre os países do continente e, em seguida, passei pelo ICAIC, Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos, que foi estabelecido pelo governo cubano em 1959, depois da Revolução Cubana, a fim de promover filmes do país, com um viés propagandístico a apoiar o governo e sua ideologia.

Na sequência, fiz uma breve parada no Cemitério Cólon, onde estão enterrados a política socialista chilena Isabel Allende e o músico Ibrahim Ferrer, do Buena Vista Social Club. Trata-se do maior e mais importante cemitério da cidade.

Um dos lugares mais bizarros que visitei em Havana foi a próxima parada, o Parque Lenin. Sim, há um parque na capital cubana homenageando Vladimir Lenin, o líder soviético. Logo na entrada do parque há um busto em proporções soviéticas, típicas do comunismo, em que Lenin aparece de perfil. Não pude deixar de fazer várias fotos no local, pois parecia realmente uma cena de filme ver tal monumento dentro do maior parque da cidade de Havana.

Visitei a Torre de La Chorera, de 1646, remanescente do período hispânico. O lugar está bem preservado e atualmente tem um restaurante para turistas estrangeiros.

No final da tarde, fui beber uma Tukola no pátio do famoso Hotel Nacional, para ter a oportunidade de ver o lindo mar azul intenso do Caribe, pois no dia seguinte ocorreria o meu regresso ao Brasil. Fiquei horas ali, vendo o mar e pensando em tudo que eu havia visto, vivido e aprendido em minha curta, porém marcante estadia em Cuba. Um momento de profunda reflexão.

Para finalizar o dia, jantei no Hotel Meliá Cohiba, no restaurante La Piazza.

Oitavo, último dia em Cuba

O meu último dia em Cuba começou com um café da manhã no Hotel NH. Logo em seguida fui a pé para visitar a fábrica de charutos mais famosa do país.

Antes de chegar até lá, passei por uma praça onde vi um carrinho vendendo “Granizado”. Descobri que é um tipo de raspadinha, uma mistura de gelo com xaropes do tipo groselha. O problema é que, além da falta de higiene total do carrinho, a água usada para preparar o gelo não tem tratamento nenhum. Muitos turistas literalmente “entram em uma fria” ao tentarem experimentar o tal do granizado, passando depois dias sem sair do banheiro, com fortes crises de diarréia. Portanto, ainda não foi dessa vez que eu experimentei essa “iguaria” local.

Uma surpresa que tive foi, ao cruzar uma praça, encontrei bustos de dois personagens históricos brasileiros: Tiradentes e José Bonifácio. Depois descobri que era uma homenagem a personagens históricos latino-americanos considerados líderes revolucionários. Tiradentes pode ser considerado um líder revolucionário, mas José Bonifácio?

Finalmente cheguei à Fábrica de Charutos Partagás, a mais renomada do país, conhecida por produzir os mais sofisticados, procurados e caros charutos de Cuba. Os conhecedores e apreciadores de charutos pagam centenas de dólares por uma pequena caixa contendo alguns charutos Partagás.

Infelizmente os visitantes não podem tirar fotos dentro da fábrica. A visita é interessantíssima e surpreendente em vários aspectos. A parte boa é que se aprende detalhadamente a história dos charutos cubanos, como eles são elaborados, os principais insumos necessários, as embalagens, e tudo mais. A parte ruim é que vemos as condições de trabalho às quais os empregados da fábrica são submetidos. Vi coisas que jamais seriam permitidas em qualquer país do mundo que tivesse uma legislação trabalhista minimamente séria, além de um departamento de vigilância sanitária atuante. Se você é um fumante de charutos cubanos, talvez seja melhor pular para o próximo parágrafo, pois talvez não queira saber o que vêm colocando em sua boca há tempos. O calor dentro da fábrica é infernal, e ela não possui nenhum tipo de climatização, nem mesmo ventiladores, para atenderem os funcionários para que eles não sofram durante o expediente. Cada um deles suava muito, estando totalmente cobertos de suor nos rostos e, especialmente, nas mãos, usadas para enrolar e embalar os charutos, sem nenhum uso de luvas ou qualquer tipo de higienização. As mesas onde os charutos são enrolados são imundas, assim como todos os objetos usados na elaboração dos renomados charutos. O local tem um odor horrível de suor misturado com sujeira e calor. Definitivamente, quem visita uma fábrica de charutos cubana jamais colocará um desses charutos na boca em sua vida.

No final da visita, há uma loja onde os interessados podem comprar charutos Partagás a preços de fábrica. Eu trouxe apenas alguns de lembrança para amigos que haviam me encomendado tais produtos, além de um para mim, que eu jamais fumarei, mas que guardarei para sempre como lembrança da visita.

Outra coisa assustadora em Cuba são os banheiros públicos, sé é que eles podem ser chamados assim. Trata-se meramente de um cubículo metálico verde com uma portinhola, sem qualquer vaso sanitário, pia ou até mesmo piso, no qual a pessoa entra, fecha a portinhola, faz suas necessidades diretamente no chão (sejam elas quais forem) e, depois disso, não há nenhum tipo de papel higiênico. A pessoa simplesmente abre a porta e vai embora. Um verdadeiro show de horrores. As cenas que eu vi dentro de tais banheiros não poderão ser descritas aqui, envolvendo homens e mulheres, mas creio que vocês possam fazer uma ideia do que eu presenciei. Para quem não acreditar, dê uma olhada na foto dessa matéria.

Na sequência, fui ao Museu do Rum, que é a bebida oficial de Cuba. O local é interessante, bem organizado, porém pequeno. Após a visita, encontramos uma loja na qual podemos comprar todos os tipos de rum produzidos no país, em vários tipos de tamanhos de garrafas diferentes. Eu comprei uma pequena garrafa para mim e um jogo de 5 mini garrafas com tipos diferentes de rum. Embora eu possa reconhecer que a qualidade da bebida é realmente muito boa, provavelmente o melhor rum do mundo, eu não consigo consumir tal bebida pura, pois é realmente forte demais para o meu paladar. Na minha opinião, a melhor maneira de se beber rum é no drink “Cuba Libre”, no qual o rum é diluído com Coca-Cola, ficando bem mais suave. Como diz o ditado, “gosto é gosto”.

Almocei no hotel NH e depois passei em frente ao prédio onde se localiza a Embaixada do EUA.

O prédio era cercado por todos os lados, altamente vigiado por soldados cubanos, que controlavam absolutamente todos que se aproximavam do local ou tentavam entrar ali, para pedir asilo aos EUA e tentarem fugir de Cuba. Há uma praça enorme em frente ao prédio, com centenas de mastros de bandeiras cubanas, que são usadas para bloquear as imagens exibidas no telão existente dentro do prédio da embaixada.

Praça em frente à Embaixada dos Estados Unidos

De lá parti para o aeroporto internacional José Martí, no qual havia chegado à Cuba apenas alguns dias anteriormente.

Ao entrar no aeroporto, fazer o check-in e embarcar no vôo de volta ao Brasil, com parada no Panamá, eu não era mais a mesma pessoa. Havia mudado e entendido coisas que somente quem vivencia o que é uma ditadura consegue entender.

Me lembrei daquela linda canção do Lô Borges, do antológico álbum “Clube da Esquina”, com Milton Nascimento, chamada “Tudo que você podia ser”. Nada define melhor Cuba do que o título dessa canção. O potencial do país é enorme, fantástico, com lugares lindos, um povo hospitaleiro, com muito talento musical e artístico de uma forma geral. O país poderia ser um dos maiores destinos turísticos do mundo, pois o sol brilha lá o ano inteiro, a cor do mar é de um azul incrível e as vistas panorâmicas de Havana são realmente especiais. No entanto, tudo isso está submetido a seis décadas de uma ditadura implacável, sanguinária, que escraviza seu povo e lhe tira as condições mínimas para que ele tenha uma vida digna, fazendo tal povo passar todos os tipos de dificuldades, sem dá-los direito à saúde, educação, trabalho, comida e as necessidades básicas. Quem acredita que Cuba tem a melhor educação e saúde do mundo precisa urgentemente pegar um vôo para Havana e tomar um choque de realidade. Fidel Castro, seu irmão Raul e todos os outros líderes cubanos conseguiram destruir um lugar que teria tudo para ser um verdadeiro paraíso no Caribe.

Me despedi de Cuba com tristeza, por ter podido sentir na minha pele um milésimo do sofrimento e angústia aos quais o povo cubano é submetido há mais de 60 anos. Por outro lado, agradeci a Deus por ter nascido no Brasil e ter acesso ao que há de mais precioso na vida de qualquer pessoa: liberdade.

Espero um dia poder retornar a Havana, após a democracia ser restaurada no país e seu povo voltar a ser livre. Quem sabe um dia eu ainda possa conhecer a verdadeira “Cuba Libre”?

Havana, Cuba – Sonho ou Pesadelo (parte I) – (parte II) – (parte III)

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Marco André Briones