Deep Purple – Made in Japan

Capa do Álbum

FICHA TÉCNICA

ANO DE LANÇAMENTO 1972
PRODUZIDO POR MARTIN BIRCH
MÚSICOS PRINCIPAIS TODAS AS CANÇÕES DE AUTORIA DE RITCHIE BLACKMORE, IAN GILLAN, ROGER GLOVER, IAN PAICE E JON LORD, EXCETO A FAIXA 10, DE AUTORIA DE ALBERT COLLINS E RICHARD PENNIMAN
RITCHIE BLACKMORE – GUITARRA
IAN GILLAN – VOCAL, GAITA E PERCUSSÃO
ROGER GLOVER – BAIXO
IAN PAICE – BATERIA
JON LORD – TECLADOS

LISTA DE CANÇÕES DO ÁLBUM

1 HIGHWAY STAR
2 CHILD IN TIME
3 SMOKE ON THE WATER
4 THE MULE
5 STRANGE KIND OF WOMAN
6 LAZY
7 SPACE TRUCKIN’
8 BLACK NIGHT
9 SPEED KING
10 LUCILLE
DA ESQUERDA PARA A DIREITA – JON LORD, RITCHIE BLACKMORE, ROGER GLOVER, IAN GILLAN E IAN PAICE

ORIGENS DO ÁLBUM

Em 1972 o quinteto inglês Deep Purple havia lançado seu sexto álbum de estúdio, “Machine Head”, o mais bem sucedido de toda sua carreira. A banda havia conseguido criar uma coleção impecável de grandes clássicos do rock pesado, que levara a banda ao ápice do universo musical dos anos 70. A demanda por shows do grupo era enorme em todo o mundo e a banda não parava de fazer tours incessantes pela América do Norte e Europa.

O processo contínuo de gravações em estúdio e tours pelo mundo estava levando a banda a um processo rápido de desgaste físico, mental e emocional de seus integrantes, que praticamente nunca tinham férias ou tempo livre para se recuperarem de suas atividades profissionais. Vários membros da banda já haviam sido hospitalizados por problemas de saúde. Nessas ocasiões ficavam até aliviados, pois eram as únicas pausas que conseguiam ter em meio à suas vidas tão agitadas.

Um dos países em que o Deep Purple sempre foi incrivelmente popular é o Japão. Seus álbuns tinham uma enorme vendagem por lá e o fã clube deles era imenso. Havia uma grande pressão da gravadora japonesa e dos promotores de shows locais para conseguirem finalmente levar a banda para sua primeira tour no país. Depois de um longo processo de negociação, finalmente foram agendados os primeiros shows da banda em território nipônico para agosto de 1972, sendo dois em Osaka e um em Tóquio.

A alegria e excitação dos fãs japoneses foi tão grande que em pouquíssimo tempo todos os ingressos disponíveis para as três apresentações se esgotaram. Sentindo que a tour seria um evento muito especial e memorável, sabiamente a gravadora japonesa propôs ao Deep Purple que os shows fossem gravados, para que posteriormente se lançasse um álbum ao vivo comemorativo, que seria disponibilizado apenas no Japão.

A banda não gostou da ideia e a recusou, pois achava que álbuns ao vivo eram úteis apenas para bandas em final de carreira. Além disso, também afirmavam que cada apresentação do Deep Purple era única e diferente (o que era verdade), sendo impossível criar um registro fiel do que era uma apresentação deles. A gravadora insistiu por muito tempo até que a banda concordou em realizar as gravações, desde que realizadas em equipamentos da melhor qualidade disponível e que o álbum fosse produzido por seu produtor habitual, que era da confiança do Deep Purple, o talentoso Martin Birch. Pensaram que essa seria uma ótima oportunidade de combaterem os produtores de álbuns pirata do Deep Purple, que gravavam seus shows de forma caseira e os vendiam, pois havia uma enorme demanda por gravações ao vivo da banda, devido à sua reputação serem uma banda sensacional no palco. Na época, eles estavam se tornando os artistas com mais gravações piratas de shows de todo o mundo do rock. Eles precisavam lançar um produto oficial, de alta qualidade, para revidarem o ataque que estavam sofrendo. Assim, acreditava a banda, teriam um registro definitivo ao vivo do Deep Purple.

Essa foi uma das melhores decisões que a banda tomou em toda sua carreira pois, embora não soubessem disso na época, os shows realizados no Japão se tornariam históricos, com a banda se apresentando no auge de sua forma, brilhando, inspiradíssima e muito motivada pela recepção tão calorosa por parte de seus fãs japoneses, que os receberam no aeroporto de Tóquio com flores, presentes e faixas com o nome da banda. O fruto das gravações das três noites no Japão seria aquele que atualmente é considerado ao maior e melhor álbum ao vivo de rock de todos os tempos: Deep Purple – Made in Japan.

ANÁLISE DO ÁLBUM – FAIXA A FAIXA

  • OSAKA – 15 de Agosto de 1972 – SMOKE ON THE WATER
  • OSAKA – 16 de Agosto de 1972 – HIGHWAY STAR, CHILD IN TIME, STRANGE KIND OF WOMAN, SPACE TRUCKIN’ e LUCILLE
  • TÓQUIO – 17 de Agosto de 1972 – THE MULE, LAZY, BLACK NIGHT e SPEED KING

Highway Star

O Deep Purple era uma banda que não tinha um setlist fixo para seus shows nos anos 70. A cada noite tocavam as músicas que escolhiam na hora, na sequência que decidissem no momento. Apenas uma coisa era certa: Highway Star era a canção de abertura de todos os shows. Ao ouvi-la sendo executada ao vivo logo entendemos o motivo para tal escolha. Essa é provavelmente a faixa mais querida de todos os fãs. Um verdadeiro hino do Deep Purple.

A banda simplesmente incendeia o palco desde o primeiro segundo. A plateia enlouquece à medida que Ian Paice começa a tocar a inconfundível batida da canção e, logo em seguida Ritchie Blackmore ataca sua guitarra com o riff marcante da canção. Os fãs japoneses já estavam conquistados por seus ídolos. Havia valido a pena a espera pelos shows dessa banda extraordinária.

A canção é tocada à toda velocidade, apropriadamente para uma letra que menciona que o personagem é uma estrela da estrada, dirigindo seu veículo na velocidade máxima. O solo de guitarra dessa canção foi o único em toda a carreira do Deep Purple que Ritchie Blackmore compôs antes de entrar em estúdio, pois todos os seus outros solos eram improvisados durante as sessões de gravação. Blackmore sabia exatamente o que queria tocar e como o solo deveria ser. Além disso, foi muito inspirado pelo seu ídolo maior: J.S. Bach.

Até hoje o incrível guitarrista Steve Morse, que substituiu Blackmore na década de 90, continua executando esse solo exatamente igual à gravação original pois, segundo ele, esse é um solo icônico e lendário, que é uma parte intrínseca da canção, e ele faz questão de homenagear Blackmore por seu solo inesquecível.

Ian Paice também tem uma atuação extraordinária nessa faixa, tocando tudo que sabe na bateria em um ritmo frenético e contagiante. Ian Gillan apresenta seu vocal incrível, com sua voz em plena potência. Simplesmente avassalador!

Child in Time

Uma das canções mais diferentes e queridas da carreira da banda. O destaque aqui é a atuação fenomenal do vocalista Ian Gillan. Nessa época, ele era o maior vocalista de rock do mundo. Não foi à toa que quando Andrew Llloyd Weber criou o musical “Jesus Christ Superstar”, que inicialmente foi um álbum antes de se tornar um dos maiores espetáculos de todos os tempos, o compositor escolheu ninguém menos que Ian Gillan para interpretar o papel principal, de Jesus Cristo. Em 1970, quando foi gravado tal álbum, ninguém tinha uma voz tão poderosa e com um alcance de agudos incrivelmente quando o lendário vocalista do Deep Purple. Gillan chegou a receber também um convite para participar do musical no teatro, mais foi impedido devido aos compromissos ininterruptos do Deep Purple na estrada.

Em “Child in Time”, Gillan criou uma letra vagamente inspirado pela Guerra Fria, um assunto muito em voga na época. Além disso, o acorde final da canção é uma homenagem aos Beatles, mais precisamente à canção “A Day in the Life”, que também termina com um grande acorde tocado no piano.

Ritchie Blackmore declarou em uma entrevista que Gillan era a única pessoa capaz de cantar “Child in Time” e que na canção ele havia atingido a melhor interpretação de sua carreira.

Na gravação ao vivo, Gillan novamente mostra toda sua potência vocal e alcance de agudos inacreditável. A banda toca à toda velocidade, com solos brilhantes de Jon Lord e Ritchie Blackmore até o momento em que tudo pára, em uma sincronia perfeita, e a canção recomeça. Realmente um dos pontos altos não só de “Made in Japan”, mas de toda a carreira dessa banda extraordinária.

Smoke on the Water

Embora não seja a melhor canção da banda, seguramente é a mais famosa de todas. Na realidade, é uma das mais conhecidas de toda a história do rock. Em várias votações entre fãs, críticos e músicos de rock, “Smoke on the Water” foi eleita como tendo o riff de guitarra mais memorável do rock, criado pelo genial guitarrista Ritchie Blackmore.

A canção foi lançada originalmente no álbum “Machine Head”, mas a gravação que fez com que ela explodisse nas paradas de sucesso em todo mundo foi essa, ao vivo, do álbum “Made in Japan”.

Blackmore começa tocando o riff lendário sozinho, acompanhado apenas pelas palmas da entusiasmada plateia japonesa, até que cada um dos instrumentos entra para acompanhá-lo.

A história dessa canção é uma das mais famosas da história do rock, mas não custa nada contá-la novamente aqui. O Deep Purple havia decidido gravar o seu álbum novo, que se tornaria o clássico “Machine Head” em Montreux, na Suíça. O produtor de eventos musicais local, Claude Nobs, que depois também criou o renomado Montreux Jazz Festival, encontrou um lugar apropriado para a banda gravar. O local escolhido foi o Casino de Montreux, que tinha apenas mais um concerto agendado em sua programação, com Frank Zappa sua banda The Mothers of Invention. Depois disso, o espaço ficaria liberado para o Deep Purple realizar suas gravações. Infelizmente, na noite do show de Zappa, um membro da plateia lançou um sinalizador dentro do Casino de Montreux, que gerou imediatamente um enorme incêndio. Felizmente ninguém morreu, mas o espaço ficou inutilizável para os fins de gravação do novo álbum do Deep Purple. Claude Nobs conseguiu encontrar um hotel que estava fechado durante o inverno e convenceu os proprietários a o alugarem para o Deep Purple, que acabou gravando seu álbum mais famoso nos corredores e quartos do hotel.

Ao voltarem para o seu hotel, após o incêndio do Casino, Roger Glover viu a imagem da fumaça sobre o lago Genebra. Tal imagem o marcou tanto que ele sonhou com o título da canção, “Smoke on the Water”. Juntamente com seu parceiro de longa data, Ian Gillan, escreveram a letra detalhando a incrível história do incêndio e de como eles acabaram gravando a canção pelos corredores e quartos do hotel. O resultado foi a canção que todos nós conhecemos e que se tornou um verdadeiro hino do Deep Purple.

Gravações de Machine Head

Um dia, Blackmore e Paice estavam sozinhos no estúdio. O guitarrista pediu que o baterista tocasse uma batida ou ritmo que nunca tivesse sido usado anteriormente em uma canção da banda. Então Paice iniciou a batida que todos nós conhecemos e, imediatamente Blackmore começou a tocar o lendário riff de guitarra, inspirado pela forma medieval de se tocar instrumentos de corda, usando quartas paralelas. Blackmore sempre foi um grande apreciador da música medieval e da renascentista também. Ele declarou que já conhecia essas músicas de vidas passadas, de outras encarnações, pois a intensidade da emoção que elas lhe transmitem são muito grandes. Seu amor por tal estilo musical se comprovou no final da década de 90, quando decidiu encerrar definitivamente suas atividades com sua banda pós-Deep Purple, o Rainbow, para se dedicar exclusivamente a seu projeto conjunto com sua esposa, Candice Night, batizado de “Blackmore’s Night”, no qual compõem e tocam canções inspiradas pela época medieval e renascentista, com uma forte influência de música clássica.

The Mule

Uma canção do álbum “Fireball”, do qual apenas Ian Gillan gostou, considerando o mesmo seu álbum favorito em sua carreira no Deep Purple.

Essa é uma canção na qual o destaque é para o maravilhoso baterista Ian Paice, na qual ele executa um padrão rítmico em sua bateria inspirado em Ringo Starr, na canção “Tomorrow Never Knows” do álbum “Revolver”, dos Beatles. Sua precisão na bateria é tanta que parece que ele está executando um “loop” gravado.

Paice declarou que ele é um grande fã de Ringo Starr e que ele é um dos bateristas do rock que menos teve o devido reconhecimento, pois sua técnica era primorosa, sendo um baterista muito talentoso.

A letra composta por Gillan foi inspirada em um personagem da obra do escritor Isaac Asimov. Ao vivo, o vocalista costumava apresentar a canção como sendo sobre “Lúcifer e alguns de seus amigos”. No entanto, Ian Paice acredita que parte da letra tenha sido escrita sobre ele mesmo, pois há um trecho em que Gillan descreve o ponto de vista de Paice, sentado na bateria, como ele vê o palco e os outros membros da banda.

Na gravação ao vivo, Ian Paice dá um show na bateria, fazendo um solo magistral, mostrando todo o seu virtuosismo e porque é considerado até hoje com um dos melhores bateristas da história do rock. Uma verdadeira lenda viva.

Ian Paice

Strange Kind of Woman

Mais uma canção muito popular da banda, sempre executada de forma brilhante pelos músicos. Um dos pontos altos de todas as apresentações, quando Blackmore e Gillan sempre faziam um “duelo” entre a guitarra e o vocal. Cada um criava uma frase musical na hora e o outro tinha de repeti-la imediatamente. O “duelo” nunca era igual, mudando de show para show. Nem os próprios músicos sabiam qual seria a duração dele nem quais seriam as frases musicais.

A letra da canção conta a história de uma prostituta, que o protagonista tentava conquistar, sem sucesso, até que um dia ele consegue, eles se casam e, logo em seguida, a mulher morre. Gillan disse que a história é real e que teria acontecido com um amigo dele, o levando a escrever a letra da canção.

Jon Lord não participou da criação da canção, mas, ainda assim, seu nome apareceu nos créditos, gerando insatisfação nos outros integrantes da banda que, efetivamente, participaram da criação dessa faixa tão famosa na carreira do Deep Purple.

Gillan declarou em uma entrevista que sempre teve a certeza de que o Deep Purple era basicamente uma banda instrumental, liderada por três virtuosos em seus respectivos instrumentos: Blackmore na guitarra, Lord nos teclados e Paice na bateria. Ele e Glover não seriam virtuosos, mas sim letristas e compositores que complementavam o trabalho dos outros três grandes músicos.

Gostaria de fazer aqui uma breve análise da personalidade do membro mais emblemático e marcante de toda a carreira do Deep Purple: o misterioso e temperamental guitarrista Ritchie Blackmore.

Ao ser perguntado se Blackmore era assim tão difícil de trabalhar como dizem as lendas a seu respeito, Jon Lord afirmou: “Ritchie é como um pitbull. Ele pega algo e não solta mais. Ele tem uma visão sobre o que ele quer e ele luta por isso até conseguir o que quer. Raramente ele erra, mas se ele erra, é o primeiro a admitir isso com a maior graciosidade. No entanto, até que provem que ele está errado, ele não cede. Eu o adoro do jeito que ele é. Ele não toca guitarra de uma forma convencional. Ele tem uma maneira estranha de ver as coisas. Usa acordes diferentes que a maioria dos guitarristas jamais pensou em usar, pois ele é um músico tão peculiar que eu sempre tenho que estar alerta. Blackmore tem um valor inestimável. Ele sempre foi e sempre será assim. Ele é a faísca que acende o Deep Purple. É o músico que dá origem às canções e cria os riffs. Eu não consigo competir com ele nesse nível.”

Roger Glover declarou que: “A presença de Blackmore paira sobre praticamente tudo. Ele está sempre buscando por algo que desperta o seu interesse e eu acho que nem ele saiba o que é. Ele é um guitarrista extraordinário, uma daquelas pessoas que Deus apontou um dedo e disse: “Você terá um dom que ninguém mais no mundo terá”. Talvez ele não consiga lidar com o fato dele ser tão talentoso”.

Ian Paice afirmou que: “Blackmore nunca teve medo de ir até a beira do abismo. Ele sempre chegava até lá, mas nunca caía. Com ele, tudo era imprevisível, nunca sabíamos o que aconteceria. No entanto, isso era muito excitante ao vivo, pois nós nunca nos repetíamos, ficávamos sempre ansiosos para descobrir o que aconteceria naquele show.”

Até mesmo o baixista e vocalista Glenn Hughes, que substituiu Roger Glover quando este deixou o Deep Purple, fez comentários semelhantes: “O palco do Deep Purple era um lugar perigoso e excitante ao mesmo tempo. Isso se devia ao Blackmore. Essa é a forma que o rock and roll deve ter”.

Muito da fama de Blackmore não vem apenas do seu gênio musical, mas do seu comportamento excêntrico. Ele nunca permitiu que nenhum outro membro da banda “invadisse” o seu território no palco. Ele criou uma linha imaginária no palco, a ser traçada a partir do bumbo da bateria de Ian Paice. Todo o terreno do lado esquerdo do palco seria exclusivo dele. O restante do palco seria dividido entre os outros integrantes da banda. Em várias ocasiões ele ameaçou o vocalista Gillan que, distraidamente, entrou no “território proibido”, quase levando o guitarrista a quebrar sua guitarra na cabeça de seu grande rival na banda.

Um outro episódio muito interessante, ainda relacionado com a eterna rivalidade entre Blackmore e Gillan, pois ambos queriam ser os líderes da banda, sem concessões ao outro, ocorreu assim que o vocalista foi contratado pelo Deep Purple. Blackmore disse a Gillan: “Quero que você saiba que não é nada pessoal, mas é importante que você tenha conhecimento que em todos os shows eu farei de tudo para detonar você no palco”. Gillan respondeu: “Então eu farei o mesmo com você”. Blackmore então finalizou dizendo: “Ótimo! Então nós teremos uma grande banda!”.  A lógica do guitarrista e verdadeiro líder da banda era que era necessário haver conflito e tensão na banda, especialmente ao vivo, para que a criatividade dos músicos fosse aguçada e cada show fosse único. Os resultados de tal estratégia eram reais. No entanto, o preço que pagaram por isso foi alto, pois o relacionamento entre os dois só piorou com o passar dos anos, chegando ao ponto em que eles não se suportavam mais, deixando de se comunicar e se encontrar, exceto na hora do show.

Lazy

Ian Paice declarou: “O Deep Purple não deveria ter dado certo nunca. Nós éramos cinco egomaníacos, mas havia uma química mágica entre nós que nos permitia criar coisas muito boas. Nós tínhamos muita liberdade para improvisar e fazer exatamente o que queríamos. A plateia sentia a nossa química. Havia uma verdadeira telepatia entre os membros da banda. Era realmente uma banda muito excitante de se fazer parte.

Sobre os ensaios, afirmou: “Nós nunca ensaiamos muito. Nós ensaiávamos ao vivo, no palco. Nós não sabíamos o que iria acontecer quando tocávamos. Tinha que ser no momento. Nós tivemos muita sorte em termos conseguido registrar aqueles shows no Japão”.

Jon Lord

O fato se torna ainda mais surpreendente se considerarmos que todas as gravações de “Made in Japan” foram totalmente gravadas ao vivo, sem qualquer gravação corretiva posterior em estúdio. O que ouvimos no álbum foi exatamente o que aconteceu nos shows. Isso é cada vez mais raro, especialmente no mundo de hoje, em que a maioria dos álbuns ao vivo é, na realidade, gravado em estúdio, apenas com o som da plateia adicionado posteriormente na mixagem. Com o Deep Purple tudo é real, orgânico, intenso e muito vibrante.

Lazy surgiu de um ritmo de bateria criado por Ian Paice. Originalmente era uma faixa instrumental, na qual Blackmore e Lord usaram todas as suas habilidades musicais e influências de blues e jazz para criarem uma das melhores canções de toda a carreira do Deep Purple. Gillan cantou a letra de forma perfeita, com muita intensidade e seus gritos característicos, além de tocar uma gaita que acentua ainda mais o tom blueseiro da canção.

Ao vivo, Lazy sempre foi um momento para solos de teclado de Jon Lord, que exibia suas influências de música clássica, sempre improvisando solos e temas até a entrada de Blackmore com o riff marcante da canção.

Space Truckin´

Ian Gillan definiu essa faixa como sendo uma canção de viagem pelo universo. O riff de guitarra de Blackmore é muito marcante e conduz toda a banda nessa faixa que costumava ser a última dos shows, antes do bis. Ao vivo costuma ser muito mais longa do que sua versão de estúdio. No vinil de “Made in Japan”, Space Truckin’ ocupa o lado 4 inteiro, com mais de 19 minutos de duração. Há um longo solo de Blackmore, que mostra sua grande habilidade no uso do botão de volume da guitarra, criando um efeito muito belo e sutil. Ele já havia usado tal recurso na gravação de estúdio da faixa “No No No”, do álbum Fireball. Nessa gravação, ele estende seu improviso, sempre acompanhado pela fiel e marcante bateria de Ian Paice, a pulsação do baixo de Roger Glover e o teclado discreto de Jon Lord.

Nessa época, o Deep Purple havia sido incluído no Livro de Recordes do Guinness por ser a banda que tocava em volume mais alto. Tal título foi dado ao quinteto após um show no Rainbow Theater em Londres, em 30 de junho de 1972, quando sua apresentação atingiu inacreditáveis 117 decibéis.

Black Night

Mais um daqueles riffs incendiários e marcantes. A banda estava no estúdio gravando o álbum “In Rock”, quando um produtor entrou na sala de gravação e fez a seguinte “revelação” à banda, que ainda lutava para ser amplamente reconhecida pelo público e ter um sucesso de venda. “O que vocês precisam é de um single de sucesso!”. Esse foi o comentário óbvio feito, que irritou profundamente Blackmore. A banda passou o dia no estúdio tentando criar o tal sucesso. Depois de horas, foram para o pub beber algumas cervejas. Ao retornarem ao estúdio, Glover e Blackmore criaram o riff clássico da canção. Os outros se juntaram a eles e compuseram suas respectivas partes. Glover batizou a canção de Black Night e, juntamente com Gillan, compôs a letra a ser cantada. Esse foi o primeiro grande sucesso do Deep Purple, que recebeu elogios até mesmo do vocalista do Black Sabbath na época, Ozzy Osbourne, que gostou muito da canção.

Roger Glover

Black Night foi um marco na carreira do Purple. Segundo Glover, após o lançamento da canção, a imprensa começou a cobrir tudo que faziam, os shows começaram a aparecer, assim como as plateias, que só aumentavam a cada dia.

Ao vivo, Black Night sempre foi muito bem recebida, sendo uma das canções favoritas dos fãs, que batiam palmas e cantavam a melodia do riff. Nos show do Japão, é um dos pontos altos das apresentações, com a banda tocando com toda a energia essa que geralmente era a primeira canção do bis. Ao ouvirmos a gravação é impossível não nos sentirmos contagiados pelo entusiasmo da banda e da plateia. Sensacional!

Speed King

Essa foi a primeira canção que a banda compôs logo após a entrada de Ian Gillan e Roger Glover no Deep Purple. Eles a criaram no primeiro ensaio que fizeram, tendo sido inspirados pela canção “Fire”, de Jimi Hendrix. O incrível riff de Speed King foi criado pelo talentoso baixista e compositor, Roger Glover.

Ao vivo, a canção se tornava ainda mais agressiva e veloz do que sua versão de estúdio, sendo realmente incendiária. A plateia enlouquecia juntamente com a banda, que mostrava todo seu virtuosismo, energia e paixão, conduzindo o show à um ápice.

Blackmore e Lord fazem duelos entre si, trocando frases com forte inspiração de blues e jazz. O Deep Purple sempre foi uma banda de músicos brilhantes, com toque dos mais diferentes estilos musicais, pois cada um dos membros trazia suas próprias influências que, todas misturadas, criavam o som único da banda. 

Lucille

Para encerrar o show, nada melhor do que um dos grandes clássicos dos primórdios do rock, composto pelo lendário pianista e vocalista Little Richard, uma forte influência em todos os músicos que iniciaram suas carreiras nos anos 60, como os Rolling Stones, Beatles, Led Zeppelin e tantos outros.

Ian Gillan usa toda sua potência vocal e seus incríveis agudos para interpretar esse sucesso de um dos seus ídolos, sendo acompanhado de forma impecável por seus companheiros de banda, que parecem estar se divertindo muito tocando essa música que fez parte da formação musical de todos eles.

No final do show, a plateia não consegue acreditar que acabara de presenciar um dos shows mais marcantes e memoráveis de toda a história do rock. “Made in Japan” havia sido registrado para a eternidade.

O LEGADO DE “MADE IN JAPAN”

A reação da banda às gravações realizadas no Japão foi variada. Ian Paice e Roger Glover se envolveram profundamente com elas, participando ativamente das sessões de mixagem do álbum ao vivo.

Ian Gillan e Ritchie Blackmore se recusaram a ouvi-lo, afirmando que álbuns ao vivo não são do interesse deles, sendo artefatos do passado.

Ian Paice e Jon Lord consideram que “Made in Japan” é o melhor álbum de toda a longa carreira do Deep Purple, conseguindo capturar toda a energia e virtuosismo da banda em seu habitat natural: o palco.

Jon Lord afirmou: “O que eu sempre achei que era a melhor coisa no Purple, e uma das razões pelas quais eu tenho tanto orgulho da banda, é que ao vivo nós somos muito melhores do que nosso material gravado em estúdio. O Purple sempre foi uma banda de tocar ao vivo e eu não acho que nós tenhamos sido particularmente ótimos em estúdio. Então, “Made in Japan” felizmente conseguiu capturar aquela energia incrível e ainda vende tanto até hoje por causa disso. É um dos álbuns ao vivo mais vendidos da história e eu acho que é também um dos mais bem gravados”.

Como havia sido planejado anteriormente, o álbum inicialmente só foi lançado no Japão. No entanto, várias cópias foram exportadas para a Europa e foram recebidas com entusiasmo pelos fãs da banda, considerando as gravações excelentes. O mesmo acabou se dando nos EUA e em vários outros países do mundo, até que a gravadora finalmente decidiu lançar o álbum em todo o mundo, que acabou se tornando um grande sucesso de vendas e passou a ser considerado o maior álbum ao vivo da história do rock.

Muitas outras bandas tentaram seguir o caminho do Deep Purple, tentando lançar um álbum ao vivo de suas apresentações. No entanto, nenhuma delas conseguiu superar a qualidade desse clássico gravado no Japão. Nem mesmo o próprio Deep Purple conseguiu superar “Made in Japan”, embora tenha lançado incontáveis álbuns ao vivo ao longo de décadas, sendo a maioria deles muito boa, mas nunca conseguindo reproduzir a magia que foi registrada nos três primeiros shows da banda no Japão em 1972.

Em 1973, a formação clássica do Deep Purple (Ritchie Blackmore, Ian Gillan, Roger Glover, Ian Paice e Jon Lord) terminou, com a saída de Gillan e Glover, que foram respectivamente substituídos por David Coverdale e Glenn Hughes. O Deep Purple prosseguiu lançando grandes álbuns, mas nada tão bem sucedido quando o material gravado pela formação clássica da banda. Em 1984, os cinco integrantes se reuniram novamente para a gravação de um novo álbum, chamado “Perfect Strangers”, que foi muito bem recebido pelo público, levando a banda a esgotar os ingressos em todos os lugares onde se apresentaram. A separação definitiva dos 5 cinco integrantes se deu em 1993, quando Blackmore deixou a banda pela última vez, tendo sido seguido por Lord em 2002, que veio a falecer em 2012.

MEU ENCONTRO INUSITADO COM O DEEP PURPLE

Eu tive a oportunidade de assistir à formação clássica do Deep Purple uma única vez, durante a tour “The Battle Rages On” em Paris, no dia 19/10/93. Foi simplesmente fantástico ver os cinco músicos fazerem um show brilhante, todos em plena forma física e musical. Algo impressionante foi o volume ensurdecedor da apresentação. Acredito que nessa época a banda ainda fosse a que tocava com o volume mais alto ao vivo, pois eu voltei para casa com meus dois ouvidos zumbindo. Passei dois dias assim até que, finalmente, minha audição voltou ao normal. Apesar do susto, valeu muito cada segundo a apresentação inesquecível desses grandes artistas, os quais eu sempre sonhara em ver ao vivo.

No entanto, pouco mais de dois anos antes, mais precisamente no dia 24/08/91, eu tive a oportunidade de assistir o meu primeiro show do Deep Purple, em sua primeira tour no Brasil, no Ginásio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Infelizmente nessa época Ian Gillan havia sido expulso da banda e, em seu lugar, estava o vocalista Joe Lynn Turner, que havia sido companheiro de Blackmore e Glover no Rainbow. O show foi muito bom, mas a melhor parte ocorreu após a apresentação, quando encontrei a banda pessoalmente, ainda que rapidamente.

Após o show ter sido encerrado, decidi que tentaria ver os músicos do Purple de perto, ao saírem do camarim para irem para o hotel. Fiquei esperando na parte de trás do ginásio, com mais umas 10 pessoas que tinham o mesmo intuito. Com o passar do tempo, foram ficando ainda menos pessoas, provavelmente umas 3 ou 4. Me recordo que o primeiro a aparecer foi o então vocalista Joe Lynn Turner, que passou por nós rapidamente, mas uma cara não muito simpática, de forma que ninguém o abordou. Logo em seguida, saiu Jon Lord, que foi tão veloz que, quando nos demos conta, ele já estava dentro do carro e indo para o hotel. Na sequência, saíram Ian Paice e Roger Glover, que foram muito atenciosos e pararam para autografar os ingressos dos poucos fãs que estavam ali, incluindo o meu. Conversaram rapidamente conosco, mas não fizeram fotos, pois não havia celulares na época e era difícil carregar uma máquina fotográfica para os shows, pois geralmente elas eram apreendidas pelos seguranças. Ficamos muito ansiosos, pois agora só faltava a saída do Ritchie Blackmore, quem eu mais gostaria de ver de perto. Se por um lado, estava feliz com a expectativa de vê-lo, por outro, estava com muito receio, devido às histórias que sempre ouvi e li sobre o comportamento imprevisível do lendário guitarrista. Nesse momento só havia eu e mais um outro rapaz aguardando a saída de Blackmore. De repente ele apareceu saindo do camarim, com duas garrafas de vinho branco alemão nas mãos. Eu e o outro rapaz ficamos apenas olhando. Para a nossa completa surpresa, quando ele chegou exatamente onde nós estávamos, deu de presente uma garrafa para o rapaz que estava comigo e, se virou e olhou nos meus olhos e me deu a outra garrafa, sem dizer nada, e entrou no carro que o aguardava e foi para o hotel. Eu e o rapaz ficamos olhando um para o outro, completamente incrédulos e pensando: “Será que isso realmente aconteceu? Será que nós realmente acabamos de ganhar uma garrafa de vinho branco alemão das mãos do próprio Ritchie Blackmore?”. Até hoje me lembro desse noite inesquecível como muita satisfação, pois o Deep Purple sempre me trouxe tanta alegria e bons momentos com a sua música que eu jamais imaginei que um dia pudesse ter uma experiência tão incrível assim com o guitarrista e fundador da banda. Algumas vezes os sonhos se realizam.

Essa matéria é um pequeno tributo de minha parte ao tecladista Jon Lord, um dos fundadores do Deep Purple, que marcou profundamente a história do rock com seus teclados e órgão Hammond, com toda sua criatividade e brilhantismo musical. Seu legado viverá para sempre.

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BIBLIOGRAFIA

Ian Gillan – The Autobiography of Deep Purple´s singer, por Ian Gillan
Glenn Hughes – The Autobiography – from Trapeze to Black Country Communion, por Glenn Hughes e Joel McIver
Ritchie Blackmore – Black Knight, por Jerry Bloom
Gettin’ Tighter – Deep Purple 68-76, por Martin Popoff
Deep Purple – A Matter of Fact, por Jerry Bloom
Smoke on the Water – The Deep Purple Story Updated Edition, por Dave Thompson
Deep Purple – Uncensored on the Record, por Jerry Bloom
DVD/Blu Ray – The Ritchie Blackmore Story
DVD – Deep Purple – Machine Head – Classic Albums