Quilombo de Ubatuba – O passado pulsa

Quilombo de Ubatuba – Fotos: Tatyana Andrade

Quilombo de Ubatuba

“Em 1740, reportando-se ao rei de Portugal, o Conselho Ultramarino valeu-se da seguinte definição de quilombo: “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele.” Fonte: www.itesp.sp.gv.br

Os grupos que hoje são considerados remanescentes de comunidades de quilombos se constituíram a partir de uma grande diversidade de processos que incluem as fugas com ocupação de terras livres e geralmente isoladas, mas também as heranças, doações, recebimento de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior das grandes propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após a sua extinção.”
Fonte: www.itesp.sp.gv.br

Quilombo

Palavra de origem africana, da língua banto (kilombo), que significa acampamento, fortaleza de difícil acesso, onde negros que resistiam à escravidão conviviam com brancos pobres e indígenas. O banto encontra suas origens em países africanos como Angola, Congo, Gabão, Zaire e Moçambique.

Variadas são as formas de se colocar a condição do negro fugitivo, mas, que, no final, todas definem a situação, no mínimo cruel, dessa gente que impulsionou de forma significativa o desenvolvimento econômico brasileiro.

À base de chicotadas, suas mãos tiraram da terra os ricos tesouros que abasteceram uma nação. Foram eles que elevaram o Brasil de mera terra de extração para um país de produção competitiva. E é dentro desse contexto que devemos, ao entrarmos em um quilombo, admirar esses remanescentes que mostram tão pulsante, um passado muitas vezes ignorado e não valorizado.

E foi essa experiência fantástica que tivemos ao visitar os quilombos que ainda resistem em Ubatuba. Divina arte de se deslocar no tempo, mas não no espaço.

A cidade tem dois quilombos. O primeiro, Caçandoca, formado por descendentes do português José Antunes de Sá que adquiriu, em 1858, a fazenda de mesmo nome. Produtora de café e cana-de-açúcar, a mão-de-obra escrava foi largamente utilizada. Com o tempo a produção foi substituída pela banana e mandioca até a década de 1970.

Caçandoca

 Apesar de a palavra ser confundida com algo relacionado a casa, devido ao sufixo local (casa em tupi-guarani), concluiu- se que o termo significa “gabão de mato”  numa referência ao país do centro-oeste africano Gabão.
Fonte: cpisp.sp.org.br

Antunes gerou três filhos legítimos, Isídio, Marcolino e Simphonio, cada um deles administrava um setor da fazenda (Cançandoca, Saco da Raposa e Saco da Banana) que, por sua vez, geraram muitos filhos com negras escravas que, com a abolição da escravidão, tornaram-se possuidores/posseiros do local, junto com os filhos legítimos e ex-escravos.

Localização

Hoje a fazenda mede 890 hectares que vão da orla marítima até a Serra de Caçandoca, com 512 m de altura. “O território historicamente ocupado por aquela comunidade quilombola hoje é identificado pelos seus moradores através dos nomes de cada uma das localidades que o compõem: Praia do Pulso, Caçandoca, Bairro Alto, Saco da Raposa, São Lourenço, Saco do Morcego, Saco da Banana, Praia do Simão.”
Fonte: www.itesp.sp.gv.br

Esse quilombo já abrigou inúmeras famílias, porém com a valorização das terras e a abertura da Rodovia Rio-Santos, muitos se deslocaram para regiões próximas e atualmente a comunidade possui apenas 19.

A economia local é tipicamente caiçara, voltada principalmente para o consumo próprio sendo a pesca e a coleta de marisco, além das plantações de bananas, as atividades econômicas básicas. Seguindo a onda moderna de valorização cultural e do meio ambiente, o ecoturismo também é mais uma fonte de renda. Até hoje, o quilombo não tem distribuição de rede elétrica e água encanada e suas casas ainda são feitas em sua maioria de pau-a-pique.

Camburi (Cambury)

Segundo os moradores locais, a ocupação da área foi feita pela escrava Josefa, fugitiva de Paraty, junto a outros negros.

Diziam que esse bando vinha a Camburi para caçar e pernoitava em uma toca localizada morro acima (Toca da Josefa – que ainda apresenta vestígios da época), em muitos locais ainda a chamam de “tia”.

Também existe a versão de que por volta de 1870 estabeleceu-se o núcleo dos Conceição – oriundo de Paraty – e ao mesmo tempo os do Basílio, liderado pelo chamado Velho Basílio, que originou vários troncos familiares até hoje encontrados em Camburi.

Outra origem também se dá à escrava Cristina, que morreu aos 115 anos na década de 1950, assim como os Bento e outros como os Zacaria e os Rosário, todos fugitivos de fazendas do Rio de Janeiro. Nesse contexto é que as gerações formaram o quilombo de Camburi.

Mas também há relatos sobre a existência de uma fazenda no local denominado Cambory, cujos registros vão de 1798 a 1855, sendo os proprietários Domingos dos Santos e seus filhos, Manuel de Oliveira Santos e Francisco dos Santos.

Mas não há registros da exata extensão dessa propriedade, o que se sabe é que era uma fazenda como as do local e com a mesma produção. Então conclui-se que vários escravos fugitivos ocuparam essa região e que parte dessas terras pertencia a uma fazenda de mesmo nome.

Esse povoado permaneceu a viver como caiçaras, ou seja, vivendo da roça e da pesca até a década de 1960, comunitariamente, onde a terra não tinha valor comercial, era apenas um local para se morar e viver. Após o surgimento do interesse por esse lugar, encravado em verdadeiros paraísos, os “compradores de terra” ganharam muito, mas muito dinheiro mesmo, iludindo esse povo simplório.

“É uma coisa comum a gente ouvir aqui em Ubatuba que o cidadão chegou aqui bem vestido em uma casa e falou que queria comprar uma terra, aquela terra. O caiçara respondia “do lado direito do rio, eu vendo para você 15 braças”. Só que quando o caiçara vinha para a cidade, aquelas 15 braças que ele tinha vendido tinham se transformado em 100 braças: toda a terra do caiçara.

O caiçara analfabeto colocava o dedão no documento e toda a sua terra ia embora, era “vendida”. Na cidade de Ubatuba isso é uma coisa natural. Até hoje é meio complicado, porque, o poder econômico ainda fala mais alto.” (depoimento de morador obtido por Paulo Ramos, ex-prefeito pelo PFL de Ubatuba).

Hoje, 50 famílias moram nesse reduto que sofre também com a conscientização ambiental.

Esse é um grande desafio, pois com a criação de Parques Ecológicos, as atividades básicas como a agricultura de subsistência e a extração de madeira, ficaram proibidas, levando aos habitantes da região poucas possibilidades de recursos financeiros.

Hoje a pesca e a venda de produtos na praia são o modo de obter recurso, além da exploração do Ecoturismo.

Apesar dessas situações arbitrárias, o que encontramos foram pessoas sofridas, mas amáveis e acolhedoras, que continuam a lutar pela sua “liberdade” para dar continuidade à sua cultura que por
tantos anos se manteve intacta, com respeito à natureza e com a simplicidade no viver.

Para saber mais sobre povos tradicionais

Marcio Alves

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