Todos os fãs dos Beatles sabem que eles nasceram e foram criados em Liverpool, na Inglaterra. Porém, nem todos sabem que onde eles se tornaram músicos profissionais e aprenderam a ser uma banda de rock and roll original foi no segundo lar deles: Hamburgo, na Alemanha. Como disse John Lennon: “Nós nascemos em Liverpool, mas crescemos em Hamburgo”. Já Paul McCartney declarou: “Nós aprendemos a tocar nossos instrumentos em Liverpool, mas aprendemos a entreter uma plateia em Hamburgo”.
Hamburgo é a segunda maior cidade da Alemanha, atrás apenas de Berlim. É uma cidade portuária, assim como Liverpool. Seu porto é um dos maiores e mais movimentados do mundo. É uma cidade que sempre teve uma forte tradição libertária, onde todo tipo de comportamento era tolerado, especialmente no distrito da luz vermelha de Saint Pauli, local onde os Beatles sempre ficavam hospedados e tocavam em suas estadias na cidade, de agosto de 1960 a agosto de 1962.
A rua principal do bairro de Saint Pauli é a famosa Reeperbahn, que no passado, era isolada do resto da cidade por uma muralha, pois era o local de encontro dos ciganos, mendigos, prostitutas e marinheiros. Até mesmo o famoso compositor clássico, Johannes Brahms, passou parte de sua juventude tocando piano nos bares e bordéis de Saint Pauli.
Saint Pauli era um local no qual qualquer coisa de diferente poderia surgir e crescer. Foi exatamente o que aconteceu com a carreira musical dos Beatles. Ela cresceu nos bares de Saint Pauli e acabou por se espalhar por todo o mundo.
Os Beatles em Hamburgo
Quando chegaram pela primeira vez em Hamburgo, em 1960, o grupo era formado por John Lennon (guitarra base), Paul McCartney (guitarra base), George Harrison (guitarra solo), Stuart Sutcliffe (baixo) e Pete Best (bateria). O quinteto tinha pouca experiência musical, mas muita vontade de vencerem na carreira musical, além de um talento e carisma ímpares.
Eles viajaram de Liverpool para Hamburgo dentro de uma van, na qual transportavam toda sua bagagem pessoal e instrumentos. Viajaram sentados em cima dos amplificadores, já não havia quase nenhum espaço livre pois, além dos cinco Beatles, viajaram também o empresário deles da época, Alan Williams, e três outros assistentes. A pequena van foi transportada do porto de Liverpool para o porto de Hamburgo por navio.
Durante as várias passagens da banda pela cidade, eles tocaram aproximadamente 900 horas nos palcos da cidade, executando mais de 200 canções diferentes. Os Beatles tocavam 8 horas por noite, sete dias por semana. Sem dúvida, viviam uma rotina massacrante de trabalho, que permitiu que eles desenvolvessem suas habilidades musicais e se tornassem músicos realmente profissionais.
Haviam na época apenas quatro Beat Clubs, locais onde os Beatles podiam tocar o tipo de música que faziam. Eles foram a única banda a ser convidada a tocar em todos os quatro clubs.
O primeiro Beat Club
O primeiro clube no qual os Beatles tocaram em Hamburgo foi o Indra (Grosse Freiheit 64).
Como não havia lugar para eles dormirem no Indra, eles precisaram se acomodar em um velho cinema, chamado Bambi-Kino. Nele, os Beatles tinham que dormir todos juntos, atrás da tela do cinema, em beliches num quarto sem janelas, praticamente sem iluminação. O banheiro que usavam era o do próprio cinema. Em uma das vezes que estavam deixando o local para retornarem à Liverpool, Paul e Pete penduraram algumas camisinhas na parede do quarto onde dormiam e as incendiaram.
Quando o dono do local tomou conhecimento do ocorrido, imediatamente chamou a polícia, que prendeu os dois músicos por uma noite, até que fossem deportados no dia seguinte.
Os Beatles frequentavam a Herberstrasse, local que até hoje é reservado à prostituição. As duas entradas da pequena rua são bloqueadas por portões, que limitam a circulação no local, com placas proibindo a entrada de menores de idade e mulheres. Os Beatles tiveram várias namoradas que eram prostitutas e que cuidavam deles, pois eram muito jovens, não falavam praticamente nada de alemão e, muitas vezes, não tinham sequer o que comer nem onde tomarem banho ou se lavarem.
Paul McCartney disse uma vez: “De repente, tínhamos namoradas que eram strippers. Nós mal tínhamos tido qualquer experiência sexual antes, então isso era formidável.” As prostitutas iam vê-los tocar em suas horas livres e ficaram muito amigas deles, pagando bebidas e até mesmo refeições para os pobres e desconhecidos músicos ingleses.
Ringo Starr tem boas lembranças dos tempos de Hamburgo. Ele declarou que: “Os alemães eram fabulosos. Se eles gostassem de você, lhe davam de presente engradados de cerveja!”.
O segundo clube
O segundo clube onde os Beatles tocaram foi o Kaiser Keller (Grosse Freiheit 36).
Nessa época, tanto Paul quanto George já haviam aprendido a falar um pouco de alemão e passaram a ter uma interação maior com as plateias. Foi nesse local que Klaus Voorman e Astrid Kirshherr conheceram a banda e ficaram muito amigos de todos os músicos. Klaus Voorman é um grande desenhista e artista que foi convidado pelos Beatles, quando já eram a banda mais famosa do mundo, a criar a capa do brilhante álbum “Revolver”, de 1966.
Astrid se apaixonou por Stuart Sutcliffe, que acabou deixando os Beatles para morar com ela em Hamburgo, até sua morte prematura, quando foi espancado numa briga de rua. Ela foi a primeira pessoa a fotografar os Beatles ao vivo, pois disse que sentiu que eles eram pessoas muito belas, talentosas, engraçadas e que tinham algo de especial. Suas fotos maravilhosas e históricas em preto e branco são lendárias e apreciadas pelos fãs até hoje. Tanto Astrid quanto Klaus influenciaram os Beatles, que passaram a usar jeans e jaquetas de couro nos palcos e também fora deles.
Mudanças na banda
Os Beatles passaram a ser apenas quatro. Já que John e George se recusaram a assumir o baixo, Paul acabou cedendo e passou a ser o baixista da banda.
Nessa época, também conheceram o baterista Ringo Starr, que também estava se apresentando em Hamburgo com sua banda, Rory Storm and the Hurricanes, que já eram mais famosos e recebiam um melhor cachê que os Beatles. Ocasionalmente, quando Pete Best não estava disponível ou presente, Ringo Starr passou a tocar informalmente com os Beatles, que imediatamente notaram que ele era a peça que estava faltando no quebra-cabeça da banda e o convidaram para fazer parte do grupo.
Foi também em Hamburgo que John Lennon conseguiu comprar sua famosa guitarra Rickenbacker 325, a qual ele usou durante grande parte da carreira dos Beatles. Foi na cidade também que Paul McCartney comprou seu lendário baixo Hofner, o qual ele usa ao vivo até os dias de hoje em seus shows pelo mundo e que também se tornou um ícone.
Um dos locais favoritos dos Beatles na cidade era o bar Gretel & Alfons. Eles iam lá para beber e relaxar após as apresentações nos clubes. Em uma das ocasiões, Paul acabou saindo sem pagar a conta de 20 marcos. Tal conta só foi paga em 1989 quando ele fez um show na cidade e fez questão de ir lá pessoalmente pagar sua dívida, com juros e correção monetária, além de deixar um poster autografado para os proprietários do bar.
O terceiro clube
O terceiro clube onde a banda tocou foi o Top Ten (Reeperbahn 136), que não existe mais.
Foi aqui que Paul fez sua estreia como baixista dos Beatles. Eles gostavam do sistema de som da casa, com eco e também um piano, que passou a ser usado esporadicamente por Paul em algumas canções.
Em alguma de suas estadias na cidade, John foi fotografado na porta de um prédio no número 1 da Jagerpassage. Tal foto se tornou conhecida mundialmente quando foi usada na capa de seu álbum solo “Rock and Roll”, de 1975, no qual ele gravou clássicos do rock tocados pelos Beatles nos tempos de Hamburgo.
O quarto clube
O quarto e último clube no qual os Beatles tocaram foi o Star Club (Grosse Freiheit 39).
Nesse local, a banda passou a contar piadas no palco, interagir com as plateias e desenvolveram sua presença de palco. Infelizmente houve um incêndio no local em 1983 e a casa acabou sendo demolida três anos mais tarde.
A banda retornou uma última vez à Hamburgo, em 1966, quando já eram os músicos mais famosos da história, em sua última tournée mundial. O show em Hamburgo em 1966 foi o último que fizeram na Europa. O resto, é história…
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Marco André Briones – [email protected]
Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em setembro de 2015.
Bibliografia usada: The Beatles in Hamburg, de Spencer Leigh
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